Quando eu era pequena, eu conseguia escutar a voz do mar. Eu
chegava na praia e o cumprimentava e ficávamos horas conversando. Eu entrava na
água com a sua benção e dentro dele continuávamos o papo. As vezes ele me
mandava sair e eu não queria, mas aí ele me expulsava e eu tomava um caldo. Ou
então ele queria que eu entrasse e eu não queria, só de birra, e ele ficava
bravo e parava de falar comigo. Mas logo fazíamos as pazes. Quando minha mãe me
chamava pra ir embora eu falava: mas o mar quer que eu fique mais um pouco! E
eu sempre me despedia dele antes de ir, de viajar de volta pra minha cidade,
muitas vezes chorando e prometendo que não ia demorar para voltar. Ele ficava
triste, mas sabia que eu logo voltaria. Afinal, amigos de infância nunca se
abandonam.
Fui crescendo e cada vez eu chegava na praia com mais
amigos. Comecei a ter vergonha de confessar para eles que ouvia o mar de
verdade. Então eu fingia que era normal chegar na praia e ficar sentada na
areia antes de ir conversar com o mar. Ele ficou bem chateado no começo, mas
acho que sabia que isso aconteceria – que eu perderia parte da magia da
infância e me afastaria dele. Que eu ia ocultar as nossas histórias até que se
tornassem irreais. Mas não tive coragem de abandoná-lo de vez. Eu passei a ficar mais
tempo na areia do que dentro dele, com os novos amigos e paqueras, mas sempre
que eu conseguia fugir, eu corria pra pelo menos falar oi e dar uma piscadinha,
pra mostrar: eu continuo aqui! Envelhecendo, mas sempre aqui.
Hoje, adulta, aprendi a conversar com meu amigo em silêncio,
e não somente pra não me acharem doida, porque não sinto mais vergonha. Mas o
papo ficou mais sério e não quero que todos saibam. Não consigo escutá-lo mais
como antes, uma voz tão clara e forte. Hoje escuto seu silêncio e ele o meu.
Com a chegada do ano novo, fiz o que não fazia há tanto tempo: fui até ele, apenas
para sentir a nossa ligação. Eu me abri completamente, mostrei meus medos e
meus desejos e pedi a sua força nos momentos em que eu me sentir sozinha.Voltar
pra essa casa me faz sentir desconectada do mundo e completamente perdida. Mas
foi só me banhar e o meu amigo imediatamente me acalmou. Como só os velhos
conhecidos de alma fazem.
Talvez eu seja mesma filha do mar, como sou do fogo, da
terra e do ar. Filha da Natureza e do Universo. Talvez seja verdade que sejamos
um só, matéria, verde, bicho, gente, espírito. E por isso talvez que eu seja
tão inquieta, porque quero ouvir as vozes desse todo que vive em mim, pois nunca consegui
silenciá-los. Na verdade, eu nunca quis. Porque eu sempre serei amiga do mar. .E
ele nunca deixará de me acalentar.
Que lindo! O mar da Bahia nos espera em 2014!
ResponderExcluirArnaldo Antunes está te plagiando!
ResponderExcluir"O mar tem voz.
A voz é o ouvido do mar.
Uma a
uma, ondas,
sua fala se des-
faz, o mar,
o mar faz
calar.
É impossível mentir para o mar."
Ahahahaha! Quem dera!! Ameeei!!!
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