sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Para 2014

Estava lendo o Evangelho com minha amiga, e após a leitura sempre debatemos e tentamos encaixar exemplos do nosso cotidiano. Mas nesse dia eu estava um pouco distraída, pensando em tanta coisa que aconteceu nos últimos dias, e quando minha amiga perguntou o que eu tinha entendido da leitura, disse, um pouco entediada: ah sim, temos que passar pelos momentos ruins pra ver se assim a gente consegue evoluir espiritualmente. Ok. Ela sorriu e me disse: eu não acho isso! Acredito que podemos aprender tanto, estudando, escutando, orando, e se aplicarmos essa energia boa no nosso dia a dia, nem precisamos viver esses momentos tão complicados. Claro que eles sempre vão existir: mas podemos facilitar muito toda a dificuldade. Dessa maneira, melhoramos espiritualmente e carregamos menos raiva, menos culpa, menos frustração dentro da gente, e seguimos mais leves em frente.
Achei engraçado porque eu costumo ser sempre mais positiva do que ela. Mas se eu paro pra analisar esse ano, não fui assim. Pensei em desistir muitas vezes. Cansei de tanta coisa, no começo eu ainda me preocupava em me manifestar sobre os ridículos acontecimentos que não paravam de surgir, até que parei. Comecei a ficar quieta, inclusive nos ataques, mas me incomodava, queria gritar, e reclamava as pessoas mais próximas, incrédula com o mundo, com a cegueira coletiva, e no final eu estava completamente sem esperanças. Quando minha amiga fez falou com toda a calma comigo, sorrindo, tão linda, eu comecei a rir com ela. Ficamos conversando de como encaramos os últimos episódios estressantes em nossas vidas, envolvendo pessoas queridas ou não, e o que concluímos é que todas as vezes que não reagimos impulsivamente, que conseguimos pensar e não ofender ainda mais o outro, foi quando contornamos de melhor maneira a situação e nos sentimos mais tranquilas.
Esse foi um ano pesado para nós duas. Pesou mais quando nossa reação teve a mesma intensidade da ação, ou quando extrapolamos. Mas nos momentos em que tivemos paciência, tudo se tornou mais simples. Seja numa viagem que tinha tudo pra dar errado; nas brigas com as amigas ou com o namorado; nos problemas familiares; no trabalho, nos ataques pessoais... e o que foi muito importante também foi colocar menos expectativa nas pessoas. Cada um tem o seu momento de enxergar, cada um tem a sua história, e a própria carga. Bater boca em momentos quando o outro está sedento por briga, ou exausto depois de tanto trabalho, torna um mais surdo do que o outro. Já quando esperamos pacientemente o melhor momento para agir, deixando ir embora toda a mágoa, toda a raiva contida, a recompensa costuma ser maior.

Então, em 2014 eu pretendo ser capaz de ter mais paciência para conseguir ter mais paz e transmitir mais otimismo. Ahhh, desejo tanta coisa! Acreditar mais. Ajudar mais.  Abraçar meus queridos. Me apaixonar muitas vezes. Espalhar amor, todos os dias. Ensinar e aprender. Virar poeta, para dar coerência aos sonhos, não é isso? Que a metade do copo esteja sempre cheia. Proteção, saúde e mais paciência. Que assim seja, amores. Namastê. Amém. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Ao meu grande líder

Eu estava ensaiando escrever um texto sobre o dia da consciência negra, mas quando tive tempo, fiquei com preguiça. Depois mentalmente escrevi um texto falando sobre cabelos, meu cabelo crespo, meu black que hoje exibo com o maior orgulho, ainda mais quando leio preconceitos que crianças sofrem por causa do cabelo, quando são obrigadas a cortá-lo porque não se encaixa no padrão. Porém, mais uma vez, deixei passar o momento e não postei por preguiça. Preguiça do mundo, principalmente, que insiste em ignorar problemas, em traçar padrões ideais de beleza.
Ainda, semana passada assisti o filme Invictus novamente – considero o filme fraco, principalmente se comparado ao livro. Quando assisti pela primeira vez, estava com tanta informação sobre o evento narrado na cabeça, que fiquei revoltada com a falta de cuidado que a história teve ao ser transformada em filme, quantos fatos essenciais foram omitidos para ter a linguagem cinematográfica. Contei o que ainda lembrava para uns amigos, e mais uma vez pensei em escrever sobre o homem da história, o gênio, sobre a história que não dá pra sentir em somente duas horas. Novamente pensei em escrever, mas dormi.
Hoje não dá para ter preguiça. Hoje preciso de qualquer forma homenagear um dos últimos líderes do planeta. E faço isso com muita dor, porque a minha vontade é chorar em silêncio. Mas não vou.
Quando criança, me pediram para escrever uma redação sobre meu pai. Eu fui criada sem a presença do meu dele por perto - e já era complexa demais para escrever uma redação falando que amava um homem que eu mal conhecia. O meu pai aparecia em datas comemorativas lá em casa mas eu não sentia vínculo para chamá-lo de meu herói, como todos os colegas da minha classe chamam seus pais. Foi quando minha mãe me deu a ideia de buscar alguém que eu admirasse e escrevesse sobre ele, porque grandes homens conseguem ser pais de todo o mundo. Então eu busquei um negro que ainda estivesse vivo. Busquei um negro porque queria me sentir representada por alguém que amasse sua cor, e que me ensinasse a amá-la também. E foi assim que conheci o Mandela. Acabou que ele me ensinou mais, muito mais. Na época, ele tinha acabado de ser libertado,  e eu não entendia sua prisão, e fiquei tão confusa com tudo, com tanto medo. Mas senti alguma coisa na sua fala calma, no seu olhar. Senti amor. Na redação, coloquei ele como o meu pai herói.
Há meses espero a notícia da morte do Mandela, e confesso que torcia para que deixassem que ele descansasse em paz. Há meses leio notícias de que ele já havia partido, somente sendo mantido por aparelhos por questões judiciais ou por qualquer outra razão. E chorei fortemente na primeira vez que li que ele realmente já tinha partido. Eu me senti sozinha, sem um líder para me orientar. 
E hoje, com a sua morte anunciada,  a sensaçao inicial de abandono foi a mesma, de que foi embora o último grande líder do planeta. Fiquei pensando e perguntando: cadê os líderes do mundo? Cadê aqueles que lutam de forma incessante pelo amor, esse amor maior que não permite que as barreiras do ódio, do medo, do desprezo ao próximo vençam? Aqueles que pregam paz e transmitem tanta calma, tanta força, tanta luz, que falam de forma que até o homem mais arrogante e preconceituoso consegue, mesmo que por um segundo, escutar? E pensando nisso eu me senti abandonada, sem esperanças no mundo, relembrando as mensagens raivosas que li ao longo do ano, dos anos, e senti um temor profundo pelo nosso mundo que parece cada dia mais abandonado. 
Mas ai veio uma frase de Mandela na cabeça: Que o homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que conquista por cima do medo. Eu me lembrei que ele ensina – porque nunca terá tempo passado as suas lições - que a única forma de sairmos de nossas prisões é deixando a raiva e o ódio para trás. Que não devemos ter medo de brilhar porque somos filhos do Amor. E que dessa maneira ajudamos outras pessoas a encontrarem a sua luz também. Eu tento parar pra escutar a sua voz me conformando e lembro que não tem como ser abandonada. Ele hoje faz parte do Universo de uma maneira transcendental – e continua aqui, ao meu lado, ao lado de todos os que sentem muito, mas muito a dor da sua perda física. Ele nunca vai parar de falar, ao lado de outros líderes tão excepcionais, tão humanos, tão vivos.
E ai vem um desejo em mim. Eu desejo nunca esquecer que eu posso ensinar todo o mundo a amar. Nunca perder a esperança de que é possível melhorar tudo, sabendo ser maior do que toda a energia que tenta me puxar para baixo. Eu me recuso a me igualar aos pessimistas, aos que tanto odeiam. Porque se hoje eu não reconheço nenhum líder à altura do Mandela, é certo que nasce nesse instante o Universo prepara um para o futuro e precisamos estar preparados para ouvi-lo. Enquanto isso, que eu nunca esqueça sua forma incrivelmente forte de lutar. Não é esquecer ou ser omisso– é sempre enfrentar todo o mal, mas com amor. Com muito amor.

Agora dói e muito. Mas logo só vou chorar por sentir aquela saudade boa desse homem que nunca conheci mas que foi um grande pai no meu mundo. Obrigada Madiba, por ser eterno.