quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Ao meu grande líder

Eu estava ensaiando escrever um texto sobre o dia da consciência negra, mas quando tive tempo, fiquei com preguiça. Depois mentalmente escrevi um texto falando sobre cabelos, meu cabelo crespo, meu black que hoje exibo com o maior orgulho, ainda mais quando leio preconceitos que crianças sofrem por causa do cabelo, quando são obrigadas a cortá-lo porque não se encaixa no padrão. Porém, mais uma vez, deixei passar o momento e não postei por preguiça. Preguiça do mundo, principalmente, que insiste em ignorar problemas, em traçar padrões ideais de beleza.
Ainda, semana passada assisti o filme Invictus novamente – considero o filme fraco, principalmente se comparado ao livro. Quando assisti pela primeira vez, estava com tanta informação sobre o evento narrado na cabeça, que fiquei revoltada com a falta de cuidado que a história teve ao ser transformada em filme, quantos fatos essenciais foram omitidos para ter a linguagem cinematográfica. Contei o que ainda lembrava para uns amigos, e mais uma vez pensei em escrever sobre o homem da história, o gênio, sobre a história que não dá pra sentir em somente duas horas. Novamente pensei em escrever, mas dormi.
Hoje não dá para ter preguiça. Hoje preciso de qualquer forma homenagear um dos últimos líderes do planeta. E faço isso com muita dor, porque a minha vontade é chorar em silêncio. Mas não vou.
Quando criança, me pediram para escrever uma redação sobre meu pai. Eu fui criada sem a presença do meu dele por perto - e já era complexa demais para escrever uma redação falando que amava um homem que eu mal conhecia. O meu pai aparecia em datas comemorativas lá em casa mas eu não sentia vínculo para chamá-lo de meu herói, como todos os colegas da minha classe chamam seus pais. Foi quando minha mãe me deu a ideia de buscar alguém que eu admirasse e escrevesse sobre ele, porque grandes homens conseguem ser pais de todo o mundo. Então eu busquei um negro que ainda estivesse vivo. Busquei um negro porque queria me sentir representada por alguém que amasse sua cor, e que me ensinasse a amá-la também. E foi assim que conheci o Mandela. Acabou que ele me ensinou mais, muito mais. Na época, ele tinha acabado de ser libertado,  e eu não entendia sua prisão, e fiquei tão confusa com tudo, com tanto medo. Mas senti alguma coisa na sua fala calma, no seu olhar. Senti amor. Na redação, coloquei ele como o meu pai herói.
Há meses espero a notícia da morte do Mandela, e confesso que torcia para que deixassem que ele descansasse em paz. Há meses leio notícias de que ele já havia partido, somente sendo mantido por aparelhos por questões judiciais ou por qualquer outra razão. E chorei fortemente na primeira vez que li que ele realmente já tinha partido. Eu me senti sozinha, sem um líder para me orientar. 
E hoje, com a sua morte anunciada,  a sensaçao inicial de abandono foi a mesma, de que foi embora o último grande líder do planeta. Fiquei pensando e perguntando: cadê os líderes do mundo? Cadê aqueles que lutam de forma incessante pelo amor, esse amor maior que não permite que as barreiras do ódio, do medo, do desprezo ao próximo vençam? Aqueles que pregam paz e transmitem tanta calma, tanta força, tanta luz, que falam de forma que até o homem mais arrogante e preconceituoso consegue, mesmo que por um segundo, escutar? E pensando nisso eu me senti abandonada, sem esperanças no mundo, relembrando as mensagens raivosas que li ao longo do ano, dos anos, e senti um temor profundo pelo nosso mundo que parece cada dia mais abandonado. 
Mas ai veio uma frase de Mandela na cabeça: Que o homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que conquista por cima do medo. Eu me lembrei que ele ensina – porque nunca terá tempo passado as suas lições - que a única forma de sairmos de nossas prisões é deixando a raiva e o ódio para trás. Que não devemos ter medo de brilhar porque somos filhos do Amor. E que dessa maneira ajudamos outras pessoas a encontrarem a sua luz também. Eu tento parar pra escutar a sua voz me conformando e lembro que não tem como ser abandonada. Ele hoje faz parte do Universo de uma maneira transcendental – e continua aqui, ao meu lado, ao lado de todos os que sentem muito, mas muito a dor da sua perda física. Ele nunca vai parar de falar, ao lado de outros líderes tão excepcionais, tão humanos, tão vivos.
E ai vem um desejo em mim. Eu desejo nunca esquecer que eu posso ensinar todo o mundo a amar. Nunca perder a esperança de que é possível melhorar tudo, sabendo ser maior do que toda a energia que tenta me puxar para baixo. Eu me recuso a me igualar aos pessimistas, aos que tanto odeiam. Porque se hoje eu não reconheço nenhum líder à altura do Mandela, é certo que nasce nesse instante o Universo prepara um para o futuro e precisamos estar preparados para ouvi-lo. Enquanto isso, que eu nunca esqueça sua forma incrivelmente forte de lutar. Não é esquecer ou ser omisso– é sempre enfrentar todo o mal, mas com amor. Com muito amor.

Agora dói e muito. Mas logo só vou chorar por sentir aquela saudade boa desse homem que nunca conheci mas que foi um grande pai no meu mundo. Obrigada Madiba, por ser eterno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário