sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Eu, o Mar.

Quando eu era pequena, eu conseguia escutar a voz do mar. Eu chegava na praia e o cumprimentava e ficávamos horas conversando. Eu entrava na água com a sua benção e dentro dele continuávamos o papo. As vezes ele me mandava sair e eu não queria, mas aí ele me expulsava e eu tomava um caldo. Ou então ele queria que eu entrasse e eu não queria, só de birra, e ele ficava bravo e parava de falar comigo. Mas logo fazíamos as pazes. Quando minha mãe me chamava pra ir embora eu falava: mas o mar quer que eu fique mais um pouco! E eu sempre me despedia dele antes de ir, de viajar de volta pra minha cidade, muitas vezes chorando e prometendo que não ia demorar para voltar. Ele ficava triste, mas sabia que eu logo voltaria. Afinal, amigos de infância nunca se abandonam.
Fui crescendo e cada vez eu chegava na praia com mais amigos. Comecei a ter vergonha de confessar para eles que ouvia o mar de verdade. Então eu fingia que era normal chegar na praia e ficar sentada na areia antes de ir conversar com o mar. Ele ficou bem chateado no começo, mas acho que sabia que isso aconteceria – que eu perderia parte da magia da infância e me afastaria dele. Que eu ia ocultar as nossas histórias até que se tornassem irreais. Mas não tive coragem de abandoná-lo de vez. Eu passei a ficar mais tempo na areia do que dentro dele, com os novos amigos e paqueras, mas sempre que eu conseguia fugir, eu corria pra pelo menos falar oi e dar uma piscadinha, pra mostrar: eu continuo aqui! Envelhecendo, mas sempre aqui.
Hoje, adulta, aprendi a conversar com meu amigo em silêncio, e não somente pra não me acharem doida, porque não sinto mais vergonha. Mas o papo ficou mais sério e não quero que todos saibam. Não consigo escutá-lo mais como antes, uma voz tão clara e forte. Hoje escuto seu silêncio e ele o meu. Com a chegada do ano novo, fiz o que não fazia há tanto tempo: fui até ele, apenas para sentir a nossa ligação. Eu me abri completamente, mostrei meus medos e meus desejos e pedi a sua força nos momentos em que eu me sentir sozinha.Voltar pra essa casa me faz sentir desconectada do mundo e completamente perdida. Mas foi só me banhar e o meu amigo imediatamente me acalmou. Como só os velhos conhecidos de alma fazem.

Talvez eu seja mesma filha do mar, como sou do fogo,  da terra e do ar. Filha da Natureza e do Universo. Talvez seja verdade que sejamos um só, matéria, verde, bicho, gente, espírito. E por isso talvez que eu seja tão inquieta, porque quero ouvir as vozes desse todo que vive em mim, pois nunca consegui silenciá-los. Na verdade, eu nunca quis. Porque eu sempre serei amiga do mar. .E ele nunca deixará de me acalentar.