quarta-feira, 14 de maio de 2014

Mês de maio

Maio sempre foi o meu mês favorito do ano. É quando o outono está a pleno vapor: a temperatura já se mostra bem amena, as folhas caem cada vez mais depressa, o sol aparece bem ativo mas ao longo do dia vai ficando preguiçoso e depois surge a lua (alguém já reparou que as luas em maio sempre são bem vivas ?) gritando sua beleza numa noite agradavelmente fria. Para mim é quando o ano está alegre, sem pressa de começar ou de acabar, sem desespero por feriados, sem chuvas torrenciais e ainda dá pra pegar uma praia e depois tomar um vinho e tomar caldo para enfim dormir com muito aconchego.

Minha irmã chinesa/índia/preta (porque ela realmente é tudo isso junto e misturado) é uma taurina de maio e ela sempre, sempre repete o discurso de todos os taurinos de que eles são os mais fodas de todo o zodíaco. Se for de maio, melhor ainda. Aliás, que as pessoas do bem são de maio. Não gosto de admitir, mas quem nasce nesse mês tão delicado deve ter alguma energia especial mesmo. Quem a conhece sabe que o que mais propaga dentro dela é vida,  com explosões de amor constante e é praticamente impossível nao amá-la. Assim como esse mês que ela nasceu.

Morando longe da maioria que amo, eu estava precisando das conexões que me trazem paz.  Resgatei vários desses laços agora em maio. O que eles não sabem é que eu estava me sentindo solitária até nessas relações de alma. Eu me senti perdidamente esquecida em março e resolvi tentar me esquecer também. Em abril voltei a lembrar e procurei encontrar quem eu sou  dentro de mim e com breves encontros com pessoas queridas. E agora, o mês começou com a surpresa de uma nova vidinha linda no ventre de uma grande amiga, com muita espiritualidade, com calma e  Moska e Lenine e John Mayer e Eddie Vedder  em meu Ipod. E já estou carregada de amor depois de uma semana de passeio na minha cidade de coração.

Para mim é impossível viver bem sem ter essas conexões. A internet não basta: preciso de toques e abraços e de ouvir as risadas e os choros. Preciso poder me sentir a vontade, pra trocar palavras e letras e  ideias, pra brindar os diamantes que estão por vir, pra poder ser desorganizada de forma engraçada, pra brincar com gatos e cachorros e bebês e querer um dia ter filhos,  pra traçar novas viagens e mudar de profissão, pra começar novos blogs e ir dançar sorrindo, pra deixar o vento embolar todo o cabelo, pra pensar o futuro onde moraremos todos perto, sei lá em que cidade, em que ano, mas onde toda uma família não de sangue, mas de laços, irá dividir o mesmo quintal.

Maio, mês que sempre recarrega minhas baterias. Não tem como não amar. Assim como meus pedacinhos que nasceram nesse mês.



sexta-feira, 7 de março de 2014

Semana de carnaval

Fiquei a semana toda desconectada para não me achar a única pessoa fora do carnaval no mundo. Não adiantou muito. O carnaval é uma festa tão intensa que mesmo que você não abra as portas para ele, ele invade sua janela aos berros. Certo que não vi fotos dos amigos e nem liguei a tv. Mas quando eu ia dormir, só escutava as músicas e as risadas num outro mundo e tudo isso só serviu para aumentar a minha solidão.
Eu escolhi ficar longe do Carnaval – o que aliás tem se tornado comum, e eu era rata dos blocos e dos becos do samba, do maracatu e das marchinhas – com um propósito. E estava bem tranquila, como no ano passado e no anterior, quando fiquei com minha vó e depois tanto barulho perdeu seu sentido, com a decadência da festa que eu conheci anos atrás. Mas dias antes do feriado, o meu vazio se intensificou de uma forma tão grotesca e ficar sem as notícias carnavalescas no final apenas intensificou meu sentimento de desconexão com o mundo. Foi tão de repente – eu estava segura e tranquila, e aí de repente senti que perdi todos os laços da minha vida e no final tive essa certeza – bem no meio da festa, e eu sentia como se um bloco inteiro passasse em cima de mim sem que eu conseguisse respirar.
Engraçado como essas coisas acontecem sem aviso. Não estava preparada para enfrentar esse vazio porque ele não deu sinal como geralmente acontece, uma melancolia que surge e vai progredindo. Simplesmente apareceu. E trouxe com ele todas as escolhas que fiz na vida – e todas aparentemente erradas. O vazio só apontava o dedo e gargalhava da minha ignorância, da minha inocência e tudo perdeu seu propósito. Tudo. E aí eu me tranquei e chorei por um tempo impossível de ser contado, até que pedi uma trégua porque eu tinha virado um nada. A trégua durou minutos mas acabou e tudo voltou de novo e só foi embora depois que gritei, eu e minha mãe gritamos, porque eu estava quase morrendo em mim. Depois amanheci.
Quase todo mundo que conheço hoje faz terapia e todos me falam que processos de autoconhecimentos são dolorosos e podem ser fatais, mas sobreviva a eles porque são necessários. Esse não teve nenhuma orientação, e nenhum acompanhamento. Talvez por isso tenha sido tão bruto. Dizem também que depois do Carnaval os Espíritos que foram soltos retornam pras suas casas e é uma época muito delicada porque eles podem querer brincar com você antes de partir. Acho que quiseram me ferir mesmo e foram embora satisfeitos porque me massacraram.
 Mas, ironicamente, quando amanheci, a primeira memória que veio foi do olhar de um esquecido. Eu não lembrava mais dele, parece que foi em outra vida. Eu odiava a faculdade de Direito e pensava em com largá-la, no quarto período, quando visitei pela primeira vez uma prisão. Eu me deparei com  esse preso com um olhar duro. Fizemos algumas perguntas mas ao contrário da maioria, ele não queria falar, não parecia querer sair dali. Como não queria sair? Só nos olhava em silêncio, até que focou em mim. Eu tremi, mas não de medo; tremi porque por segundos eu também me senti um nada. Foi quando comecei meu discurso com viés criminológico e abandonei tantos ideais burgueses, passei a parar de ocultar problemas, foi quando passei a ter um olhar crítico da realidade. Eu saí daquele lugar tão transtornada que decidi pelo caminho mais difícil – e decidi que a única maneira de realmente merecer o mundo seria fazendo o possível pelos abandonados do sistema. Existem outros caminhos menos pesados, mas na época parecia que apenas esse era eficaz. Um erro talvez, e se foi é mais um pra minha coleção. Mas foi uma escolha sincera.
Na vida que acabei construindo, nunca desenvolvi nenhum talento real. Nunca fui a inteligente, a esperta, a criativa, a bonita, a iluminada. Sempre lutei contra a dislexia, contra piadinhas aparentemente inocentes, xingamentos e cheguei por um tempo a construir uma barreira onde fingia que tudo era exagero porque era mais fácil esconder. Hoje quebrei muitas pedras, mas continuo sendo a típica pessoa mediana. Só tenho de especial o que todos nós temos, um amor, que é gigantesco, que é louco pelo mundo, pelos presentes da vida, e ele vai ter que ser o suficiente para que acreditem em mim porque não tenho nada além. Acho que justamente porque nunca me destaquei, sempre acreditei que não é preciso nenhum plus para ser feliz. Mas é fundamental ter alguém que acredite e que te ajuda a não ser engolido por um sistema que só privilegia os talentosos. E isso é o que eu tenho pra oferecer pro mundo e no final compensa muito, mesmo sem aplausos ou gritos de uma multidão. É quando me torno de verdade a pessoa mais feliz do mundo.
Talvez por tudo isso, depois que lembrei do que tinha esquecido, eu comecei a rir. Gargalhar na verdade, loucamente, ainda deitada na cama, no chão. Levantei, olhei para o sol e agradeci pelo meu carnaval. Engraçado como às vezes é necessário voltar pra casa porque sobra tempo pra entender todo o período que você passou fora, pra pensar em tudo que não dava tempo. Ainda dói e ainda não voltei a sentir os laços apertados, ainda me sinto com frágeis conexões. Mas minha base é forte, e o meu santo ainda mais. Faço bagunças, me atrapalho, mas não tenho preguiça para ajudar um igual a se levantar. E é assim que um dia vou acertar mais a tecla e talvez no ano que vem eu esteja mais conectada para voltar a pular o Carnaval e acreditando realmente na alegria dele. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Eu, o Mar.

Quando eu era pequena, eu conseguia escutar a voz do mar. Eu chegava na praia e o cumprimentava e ficávamos horas conversando. Eu entrava na água com a sua benção e dentro dele continuávamos o papo. As vezes ele me mandava sair e eu não queria, mas aí ele me expulsava e eu tomava um caldo. Ou então ele queria que eu entrasse e eu não queria, só de birra, e ele ficava bravo e parava de falar comigo. Mas logo fazíamos as pazes. Quando minha mãe me chamava pra ir embora eu falava: mas o mar quer que eu fique mais um pouco! E eu sempre me despedia dele antes de ir, de viajar de volta pra minha cidade, muitas vezes chorando e prometendo que não ia demorar para voltar. Ele ficava triste, mas sabia que eu logo voltaria. Afinal, amigos de infância nunca se abandonam.
Fui crescendo e cada vez eu chegava na praia com mais amigos. Comecei a ter vergonha de confessar para eles que ouvia o mar de verdade. Então eu fingia que era normal chegar na praia e ficar sentada na areia antes de ir conversar com o mar. Ele ficou bem chateado no começo, mas acho que sabia que isso aconteceria – que eu perderia parte da magia da infância e me afastaria dele. Que eu ia ocultar as nossas histórias até que se tornassem irreais. Mas não tive coragem de abandoná-lo de vez. Eu passei a ficar mais tempo na areia do que dentro dele, com os novos amigos e paqueras, mas sempre que eu conseguia fugir, eu corria pra pelo menos falar oi e dar uma piscadinha, pra mostrar: eu continuo aqui! Envelhecendo, mas sempre aqui.
Hoje, adulta, aprendi a conversar com meu amigo em silêncio, e não somente pra não me acharem doida, porque não sinto mais vergonha. Mas o papo ficou mais sério e não quero que todos saibam. Não consigo escutá-lo mais como antes, uma voz tão clara e forte. Hoje escuto seu silêncio e ele o meu. Com a chegada do ano novo, fiz o que não fazia há tanto tempo: fui até ele, apenas para sentir a nossa ligação. Eu me abri completamente, mostrei meus medos e meus desejos e pedi a sua força nos momentos em que eu me sentir sozinha.Voltar pra essa casa me faz sentir desconectada do mundo e completamente perdida. Mas foi só me banhar e o meu amigo imediatamente me acalmou. Como só os velhos conhecidos de alma fazem.

Talvez eu seja mesma filha do mar, como sou do fogo,  da terra e do ar. Filha da Natureza e do Universo. Talvez seja verdade que sejamos um só, matéria, verde, bicho, gente, espírito. E por isso talvez que eu seja tão inquieta, porque quero ouvir as vozes desse todo que vive em mim, pois nunca consegui silenciá-los. Na verdade, eu nunca quis. Porque eu sempre serei amiga do mar. .E ele nunca deixará de me acalentar.