quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Tempero

Hoje eu fiquei com vontade de comer panquecas. E me lembrei do cheiro do seu tempero. Acho que foi um dos melhores que eu já senti. Por que será que a minha comida não tem o seu toque? Já tentei várias vezes te imitar, mas simplesmente não consigo. Repito os passos com exatidão e não consigo chegar nem perto do seu talento. Ninguém comum consegue ter ser tão bom. Você realmente está fora do padrão, tendo espaço cativo no lugar dos melhores. E aí me bateu uma tristeza daquelas, pois não sinto esse cheiro, esse gosto há muito tempo. E sei também que está chegando a hora em que nem mais poderei comentar com você o quanto você é maravilhosa.
Passei da fase de tentar compreender porque as coisas foram desandando. Nem me revolto muito mais. Consigo até sentir gratidão! Essas lembranças são só minhas e ninguém mais no mundo teve. Ninguém mais teve seu colo como eu. Ainda bem que eu sou única, algumas coisas eu não suportaria dividir. E assim eu a tive completamente para mim, só para mim. Todo o amor do mundo.
E hoje você é a minha menina, que dorme tão frágil, abraçada num bichinho de espuma. Mas um dia voltarei a ser a mais nova e sentirei novamente o seu tempero, seu braço forte enrolando doces e o seu gosto único. Comerei seu bolinho de chuva tomando chá mate. E depois me aconchegarei na sua cama e tirarei um cochilo gostoso, com cafuné de sobremesa.  

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Redescoberta

Todo começo de ano eu fico cansada da cidade. Mas nesse ano, a vontade de fugir gritava em mim. A idéia de ficar aqui em janeiro era praticamente insuportável. E tudo o que eu mais queria era correr, correr do calor, do barulho excessivo, da sujeira, da fumaça, da violência, das pessoas e das enchentes. Depois de quase oito anos, comecei a me perguntar qual é o sentido de continuar
aqui: nada mais me prende nessa cidade. Não me vejo mais morando aqui para sempre. E talvez uma mudança nesse meu momento fosse fundamental para que eu me inovasse.

Mas eu não consegui sair por muito tempo. Fui obrigada a voltar ainda em janeiro, o que me deixou enfurecida. Mas como deve existir um limite para as reclamações, embarguei na onda da "paz burguesa" para não ter que encarar o calor e melhorar o meu humor. E no meio de piqueniques debaixo de árvores, cachoeira na Floresta, mergulhos nas Ilhas, brunch da Lagoa, redescobri um Rio que eu não conhecia. Janeiro passou a ser suportável. E agora que fevereiro chegou, espero novamente me reencontrar nessa cidade que eu já tanto amei e me esqueci.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Grande menina

Quem teve a idéia foi a minha amiga Lian. Estávamos eu, ela e o Nel em Santa Teresa, em um domingo quente, comendo feijoada, tomando cachaça e conversando sobre as metas de 2011 - atualmente o meu assunto favorito. Quando eu disse que queria ter coragem de fazer um blog, ela sugeriu que eu juntasse um bando de histórias que eu tenho com fotografias minhas. Adorei a sugestão.

Eu não tenho nenhuma foto para usar nessa história. Mas resolvi colocar essa imagem do filme "Patch Adams", que eu amo de paixão.

Hoje eu estava no metrô, cada dia mais lento, e reparei uma menina me olhando curiosa. Ela devia ter mais ou menos 12 anos e estava junto com a mãe, que também me olhava. No começo pensei que eu estivesse com a cara engraçada, cantando alto no metrô, mas depois achei que poderia conhecê-las de algum lugar. Logo depois elas saltaram e sorriram para mim, e fiquei pensando quando que eu poderia ter conhecido a garota.

Entre 2002 e 2003, eu trabalhei como voluntária no projeto do Hospital Infantil de Vitória. Inicialmente eu ensinava para as crianças que estavam muito tempo internadas e acabavam faltando muitas aulas na escola. Depois, a minha mãe resolveu trabalhar na enfermaria das crianças com câncer, que na época estava carente de voluntários. Acabei me juntando a ela.
Lá na enfermaria conheci as crianças mais fortes do mundo. Quando eu chegava, muitas tinham acabado de passar por mais um sessão de quimioterapia e estavam muito fracas. Mas era só abrir o armário de brinquedos e começar a fazer palhaçadas que elas arranjavam forças para brincar, cantar e sorrir.Foi uma época em que eu sentia todos os tipos de emoção em poucas horas.
Mas nem todas respondiam às brincadeiras. Eu me lembro especialmente de uma menininha de 03 anos, que  sempre gritava de tanta dor. A mãe dela chorava muito e minha mãe levava ela para conversar, enquanto eu tentava animar a menininha, que estava com a doença em um estágio avançado. Quase sempre saia frustrada e deprimida e confesso que muitas vezes preferia ficar um pouco longe do quarto dela, para evitar chorar também.
Um pouco antes da minha saída, ela começou a responder aos tratamentos e passou a ficar cada dia mais dócil. Ainda não brincava, mas já não me olhava tão desconfiada e até esboçava um sorriso. Depois eu me mudei para o Rio, e nunca mais me encontrei com ela.
Mais ou menos três anos depois, a minha mãe reencontrou a menina e sua mãe no shopping. As duas logo a reconheceram e a menina saiu correndo para abraçar a minha mãe. Ela estava praticamente curada, com o cabelo crescendo e muito ativa. Fiquei tão feliz e tão surpresa com a notícia que eu não conseguia parar de contar para os meus amigos! É incrivelmente gratificante saber que uma pessoinha que parecia que iria partir logo estava alí, contrariando previsões médicas e fazendo bagunça no shopping.

Eu não sei que a garota do metrô era a mesma menininha frágil de Vitória. Mas eu acreditro que sim. Para mim, ela está entrando na adolescência e está linda, sempre com a sua grande mãe por perto. Ela está na escola, falando o tempo todo sobre os garotos da sua turma, sobre suas melhores amigas, fazendo curso de inglês e de natação.  Ela está saudável e não precisa mais frequentar o hospital, a não ser para exames de rotina. E ela também está fazendo metas para o ano de 2011, como passar direto na escola e arrumar o primeiro namoradinho.  

Definitivamente eu aprendi mais sobre o viver em um ano com as crianças do que em 28 anos com os adultos.