Quando eu te conheci, era Copa do Mundo de 1990. Lembro bem
desse dia porque recontamos várias vezes. Eu me lembro de esperar o final de
semana ansiosamente porque você ia chegar no meu bairro e logo já estava
gritando na casa da sua avó para você ir pra rua. Brincavamos até bem tarde de pique, bicicleta,
queimada, comidinha, e aí você dormia lá em casa e brincávamos ainda mais, de
teatro, filmes, dona onça, de cantar. Quando a gente ia dormir ríamos tanto
contando histórias de medo e de amor que passavámos a madrugada inteira assim.
Éramos tão grudadas que brincávamos dormindo. Lembro da minha mãe contando de
brincadeiras de adoleta sonâmbulas e sempre recheadas com risadas.
Mas tivemos que crescer. Você foi na minha frente. De corpo
e de coração. Eu estava perto quando você deu seu primeiro beijo e depois
conversamos a noite inteira. Eu estava perto quando você se apaixonou. Só que
eu tinha muito medo de abandonar aquela vida segura de histórias e sonhos, e
você apesar de aparentar ser mais medrosa, não teve. Fomos estudar na mesma
escola depois, uma escola que você adorava e que me fez muito mal e muito bem,
não sei ao certo. Você era mais popular e lá andávamos com turmas separadas,
você ficava no pátio e eu sempre preferia continuar na sala de aula, sempre
receosa porque quando eu circulava sozinha eu sempre ouvia maldades. Mas quando
saíamos da escola a conexão voltava e ríamos do motorista, do filho do
motorista, até que fomos morar no mesmo prédio e voltávamos juntas pra casa,
esperando algum paquera passar para descobrir onde ele morava.
Você também estava por perto quando eu me apaixonei. Mas eu
tinha muito medo. Então eu preferia sofrer ouvindo músicas melosas e imaginar
que o atual amor da minha vida ia também se apaixonar por mim. Já você não
tinha medo da rejeição. Assim de certa forma eu fui me enclausurando no
decorrer da minha adolescência e você foi encarar o mundo. Foi quando realmente
começamos a nos afastar.
Até que de repente precisávamos de familiaridade, e nesses
momentos não tinhamos dúvida sobre quem procurar. Sempre era fácil expressar
uma com a outra, com palavras, com cartas ou apenas com olhares. E você foi a
minha melhor amiga por muitos anos, até que na mesma época, tivemos que mudar
de cidade.
Eu sabia que perderíamos contato porque você sempre foi
desligada. E isso aconteceu, mas o mundo reúne pessoas parecidas. E quando nos
reencontramos, parecia que nem tinha tanto tempo. E estávamos muito parecidas.
Você fez a faculdade que eu devia ter feito, e luta pelo o que acredita. Eu
continuo muitas vezes procurando o silêncio e fiz uma faculdade mais cômoda.
Mas nossos ideais são semelhantes e por isso o mundo nos colocou juntas
novamente, porque ele precisa fazer isso para encontrar o equilíbrio. Mas mesmo
com a distância física, continuamos irmãs. Passamos por histórias parecidas.
Temos crises de inseguranças e vontade de mudar o mundo. É como se nada tivesse
mudado. Sempre irmãs.
Hoje pra falar que lembrei do seu aniversário sem facebook, achei
que uma carta seria a melhor forma de te dar parabéns, como fazíamos
na nossa infância, no lugar de um torpedo ou de uma mensagem pequena que não saberia
expressar o quanto você é especial na minha vida. E preciso te falar que você
continua linda. Ainda mais linda, se possível. E só de pensar em você, eu fico
sempre muito feliz. Como ficava quando você chegava no meu bairro doida para brincar.
Gente boa se atrai.
ResponderExcluirMeu Deus... não sei nem o que dizer agora. Caramba, Leilane, o que eu queria fazer depois de ler essa carta era te dar um abraço infinito! Tanta coisa que vivemos e tanta coisa pela frente. Não sei se você tem a dimensão do quanto a sua amizade influenciou a minha vida, as minhas escolhas. E daquela escola horrível, que te fez tanto mal (e me dói pensar que naquela época eu ainda não entendia certas coisas pra te dar a mão na hora do recreio e ficar com você), pouca coisa eu trago comigo. Nas minhas lembranças mais bonitas, que eu guardo com tanto cuidado e preservo com todas as minhas forças, estão a Rua H, a casa da minha avó e, na subida, a sua casa. Eu não sei quem era mais rápida, eu ou você, pra chegar no portão e gritar o nome: Leilaaaaaaaaaane! rs E era sempre uma festa! Entrar na sua casa era entrar num universo de encantos que você e sua mãe me apresentaram. Ainda lembro do frio na barriga toda vez que ouvia o ruido da Dona Onça! Eu realmente acreditava na estória! Penso que nos identificamos porque éramos e ainda somos irmãs, sim. Eu não sei nem explicar a felicidade que estou sentindo com a sua carta, e em saber que há ainda um espaço pra mim na sua vida. Por fim, eu preciso dizer que este foi o meu melhor presente de aniversário. É uma honra pra mim saber que você dedicou um tempo pra lembrar e escrever um pedaço da nossa história. É uma honra porque eu continuo te admirando, desde o tempo da Vila. Obrigada por tudo, tudo mesmo. Um beijo, querida. Até logo.
ResponderExcluirAhhhh.... e eu chorei com o seu comentário!!! ;-)
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