terça-feira, 20 de março de 2012

Meu anjo mais velho

Minha princesa teve que partir porque ela não aguentava mais viver nessa realidade. E olha que ela tentou ao máximo. Sabia que se fosse de repente, ia me assustar demais. Então ela foi aos poucos. Esquecendo por partes, para que eu me acostumasse com a sua ausência. Tolinha, sempre pensando em mim. Esqueceu como cozinhava, esqueceu o nome das suas filhas, esqueceu seu endereço, esqueceu sua data de aniversário. Mas nunca se esqueceu de mim.

Ela me aguardou para o adeus final, como havíamos combinado anos atrás. Pedi para ela não ir sem que eu pudesse estar por perto. Então ela firme e forte, sempre tão forte, se lembrou da promessa, me aguardou e como sempre, reagiu à minha presença. Fui a última a tacar-lhe um beijo. Depois, partiu.

Como ela queria ter certeza de que eu saberia cuidar de mim, me fez cuidar dela antes. E assim eu deixei de ser sua menininha do tamanho de três palmos do chão, e ela passou a ser minha levada que batia palminha e brincava assustada. E eu aprendi direitinho.

Agora que ela não é mais minha princesa esquecida, mas sim meu anjinho mais velho, pedi para que ela aproveitasse que estaria pertinho do Pai para falar para ele nunca deixar de olhar para mim. Até parece que ela permitiria que Ele se distraísse. Agora estou com proteção elevada ao quadrado, potencializada por um milhão, e chegando perto do infinito. Que ninguém se atreva a mexer comigo agora.

E quando a saudade estiver tão grande, do tamanho de uma super explosão, ela vai vir conversar comigo nos meus sonhos e aí eu vou voltar a me lembrar que estaremos sempre por perto e não tem porque sentir tanta dor. E quando chegar a minha vez de renascer, ela vai me receber morrendo de rir, porque eu terei ficado tão velha, e ela terá rejuvenecido um tantão. Espertinha. Eu serei vovó, mas ela é que vai ter que fazer o bolinho de chuva com chá.

Obrigada, minha vida.






segunda-feira, 5 de março de 2012

Papo adulto

-       Valeu mesmo a pena você ter ido embora do Rio?

-       Penso que sim. De certa forma, a cidade estraga a gente. Lá eu estava vivendo um dia de cada vez e não pensava em mais nada a não ser aproveitar a cidade. Não dava mais para continuar assim, estava sofrendo muita pressão. Hoje, apesar de sentir falta, eu já estou bem diferente, as minhas resoluções para esse ano são bem adultas: fazer o meu negócio dar certo, em primeiro lugar, e comprar meu apartamento. Significa que estou crescendo. Você também precisa crescer.

-       Isso para você é sinônimo de crescer?

-       Claro que é.

-       Não acho. Quem foi que disse isso?

-       Todo mundo.

-       Ah, esse todo mundo que mais erra do que acerta?

-       Para de ser rebelde. Se isso não é crescer, o que é?

-       É ter paz de espírito. Trabalhar com a sua alma, como você pode se tornar uma pessoa melhor e entrar mais em sintonia com o mundo. Crescer significa evoluir espiritualmente, saber ouvir, sentir, amar. Bens materiais não fazem isso pela gente. Aumentar renda, comprar coisas, consumir cada vez mais, apenas nos deixa cada dia mais insatisfeitos, enquanto na verdade tudo é tão simples: é só saber sentir.

-       Tá bom. Eu concordo. Mas a gente precisa de dinheiro.

-       Droga.

-       E para ter dinheiro, a gente vai ter que trabalhar. E isso significa afastar um pouco do Rio, já que lá nós duas estávamos fora de foco. Você também, para fazer tudo o que você gosta, viajar, rodar o mundo, aprender. Nós não vamos poder fazer isso sem dinheiro.

-       E por que você quer comprar um apartamento em Campos?

-       Ué, porque eu preciso ter um lugar pra morar, não dá para viver de aluguel pra sempre.

-       Mas por que não no Rio? A gente não saiu para depois voltar melhor?

-       Porque lá é mais caro.

-       Então por que você não fica juntando dinheiro e daqui há dez anos, quando baixar a euforia pela cidade, pós Copa e Olimpíadas, nós compramos um lugar pra gente ser voltar a ser vizinhas?

-       Não pensei nisso.

-       A ideia de morar perto dos amigos é realmente legal, mesmo que demore um pouco pra acontecer. Pense bem. Se alguma de nós casar, é bem possível que o marido morra antes. E aí a gente não vai querer casar de novo, seremos velhinhas pegadoras. E teremos amigos a nossa volta para nunca ficarmos sozinhas. O que mais permanece na vida mesmo é a amizade...

-       Seremos velhinhas periguetes?

-       E por que não? Aí sim eu vou gostar de homens mais novos!

-       E mesmo que a gente case para sempre, nossos maridos virarão amigos e vai aumentar nossa família sempre?

-       Claro, agregar é crescimento. Isso sim, e não viver apenas em um núcleo teoricamente seguro.

-       É uma boa ideia.

-       Claro que é.

-       Mas a gente precisa de dinheiro.

-       Droga.

-       Calma, vai passar rápido. Vai ser  melhor do que você imagina.

-       Eu sei que será, sinto isso. Mas o que me deixa pensativa é saber se depois de tanta luta, eu vou conseguir ser feliz com a minha profissão.

-       Claro que será. No fundo, você sempre gostou de ajudar as pessoas, não é?

-       Sim, com certeza. Mas e se eu passar pra outra coisa mais burocrática? Será que vou me vender pelo dinheiro?

-       Claro que não. Você está muito velha pra mudar, você sempre diz isso.

-       É. Espero. E você tem que começar a ver como você vai conseguir voltar pro Rio.
-       Eu sei. Mas pra isso, eu preciso de dinheiro.
-       Droga.